Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim.
Memórias póstumas de Brás Cubas
Dizem que evoluímos a ponto
De não sermos mais naturais
Porém, contudo, no entanto, entretanto
Não vejo como nosso cenário atual
Possa ser mais Natural
Clamamos orgulhosamente que somos racionais
Dizemos cegamente que pensamos a beça
Somos todos seres primitivos, iludidos, enganados
Que pensam mais com outra cabeça
A modernidade que condene minha descrença
Mas diga-me qual a diferença
Entre a caverna úmida e escura
De cuja realidade, através de uma pequena fresta
Só vemos a sombra
E as atuais, vazias e partidas moradias
De cujas mentiras, através de uma tela ou mentores
Escutamos as notícias
E aceitamos o que dizem os professores
Dizemos controversamente
Que somos senhores do destino que nos guia
Pregamos o livre arbítrio e a escolha
Que já foi escolhida antes da pergunta ser feita
Somos todos livres
Para fazer o que o comercial manda
O que a sociedade pede
O que os pais impõe
E nunca o que a preguiça impede
Dizem que o homem é diferente da Natureza
Mas respondam o que é mais natural
Que usar os meios mais fáceis
Ser inconsequente, usar qualquer meio conveniente
Para sair na vantagem, no lucro?
Como se paga pelo pecado de ser capitalista?
Como viver num mundo onde qualquer um
É só mais um, todos querem ser alguém
Segundo as regras impostas por ninguém?
Tentamos viver a vida
Ser mestres de nossos desejos
Quando somos escravos de nossos instintos
E por nossas vidas somos arrastados
Em silencioso desespero
Como ficar lúcido o suficiente
Para perceber que estamos bêbados?
Nesta boemia que é a vida
Nesta verdade contada por uma tela
Nesta mentira que nos passam como sombras?
Ah, que prazer seria acordar!
Libertar-me das correntes do sofá
Olhar uma ultima vez para as sombras
Mostradas pela televisão
E caminhar no sentido contrário
Para aquela fresta
Esgueirar-me e me libertar da caverna
E ser cegado pela verdade
Ah, que prazer seria acordar
Para o sonho chamado realidade.
(AHDB)
Adam Walker