Como prometido, aqui está o capítulo dessa semana de reinos modernos, aproveitem e curtam XD
(obs: este é um pouco mais logo que o anterior, espero que vocês não se importem XP)
Capítulo 2
Adam estava cansado. Tão cansado que mal conseguia se manter acordado naquele
maldito funeral. Tinha trabalhado sem parar por praticamente três dias consecutivos
sem dormir direito e os projetos ainda estavam pela metade.
Adam
Albarn era o jovem de cabelos oleosos negros, encurvado, com os braços apoiados
nos joelhos e olheiras profundas. Sentava-se em meio as fileiras de bancos de
madeira da Catedral. Seu estado não condizia com seu humor habitual, isso se
devia tanto ao seu cansaço e sono como ao profundo pesar.
Os
burburinhos e o mormaço não estavam tornando aquela situação nem um pouco mais
tolerável. E se continuasse daquela forma, Adam definitivamente iria ter um
ataque de agonia ou um colapso nervoso.
E enquanto
o sr. Antony começava seu discurso, Adam remoía a morte do falecido, que veio
sem mais nem menos, sem aviso prévio.
Três
dias atrás Marcus estava bem e forte, tinha aparecido pelo escritório da firma
com sua característica mochila negra, sobretudo de quatro botões e o sorriso
debochado de sempre, como se achasse que por trás de tudo houvesse uma piada
que somente ele entendesse. Foi ao escritório do pai de Adam, Eric Albarn
(presidente e co-fundador da Construtora Albarn), tratar de negócios e cobrar
um ou dois favores. Após isso Macus chamou Adam para um passeio. Almoçaram num
restaurante perto do escritório, onde tiveram a sua ultima conversa. Algo que
Adam remoía ainda agora, diante do cadáver da pessoa que lhe fora como um bom
tio.
- Como
vai a vida, “Jovem Al”?- Perguntou Marcus quando encontraram algum canto
apropriado para sentarem.
-Você
sabe, o de sempre: plantas para projetar, plantas para revisar, erros para
corrigir... Eu digo, se meu pai fosse um pouco mais rigoroso comigo, ele me
daria plantas para plantar!- Respondeu Adam com um sorriso maroto. E Marcus deu
sua gargalhada característica.
-
Isso é bom, isso é bom- Comentou quando parou de rir- Então... Nada de mais
mesmo?
-uh
hum- Concordou Adam- Sobre o quê você e meu pai trataram dessa vez?
-O
de sempre: Negócios... E tentando convencê-lo a liberar o filho para um almoço
mais cedo com um velho amigo- Acrescentou como se fosse um mero detalhe.
Adam
sorriu.
-Você
não toma jeito mesmo, não é?
-Não-
Concordou retribuindo o sorriso- Não mesmo
-
Então... Aqui estou, tendo um agradável almoço com “tio Marc”, tudo bem, tudo
certo, Mas- Ele olhou diretamente nos olhos do amigo- Eu não consigo parar de
pensar que possa haver um motivo ulterior por trás dessa coisa toda...
Marcus
levantou uma sobrancelha.
-É
tão estranho assim um amigo chamar outro para um almoço? Jogar conversa fora e
coisas do tipo?
Adam
apenas retribuiu um olhar duvidoso. Marcus suspirou e levantou as mão de
maneira teatral.
-Tudo
bem você me pegou. Eu admito, tem um motivo. Mas provavelmente você não vai
gostar.
-Se
você estava escondendo, claro que não seria algo agradável. Mas sabe como é a
vida, né? Temos dias e dias. E seja lá o que for, estou preparado.
-Vida,
né...- Marcus ficou um pouco mais sério- Vim aqui me despedir.
Adam
ficou calado por alguns segundos, em choque.
-Ok,
retiro o que disse. Eu definitivamente não estava preparado.- Disse quando se
recuperou.
Marcus
deu outra gargalhada.
-Sabe,
acho que esse é um dos motivos de eu considerá-lo um dos melhores, Adam.
-O
que você quer dizer?
-Mesmo
diante de uma notícia dessas, você consegue amenizar as coisas, deixar o clima
mais leve... Não são muitas pessoas que conseguem fazer isso de maneira tão
despretensiosa e eu gosto disso, faz com que a vida pareça suportável.
- E
não é?
Marcus
gargalhou mai uma vez.
-É
disso que estou falando, mas você ainda tem muito que aprender, “Jovem Al”
Adam
ficou meio desconcertado, mas logo retomou a conversa.
-O
que você quis dizer com “despedir”?
-O
que eu disse, estou indo embora da cidade para realizar um trabalho de muito
longa data. Pode ser que eu nem chegue a voltar.
-Falando
nisso, será que algum dia você vai me falar com o que você trabalha afinal?
Marcus
pareceu meditar sobre a questão,olhou para o amigo por alguns segundos, parecia
prestes a dizer algo, mas desistiu, apenas disse
-Algum
dia, “jovem Al”. Hoje não, mas com certeza algum dia.
-Sentirei
saudades.
-Eu
sei- Ele abriu um sorriso maroto- Por isso vou deixar algumas coisinhas com
você. Pra me certificar que não serei esquecido.
-Eu
jamais faria isso!
-Sei
que não,mas de qualquer forma...- Marcus deu de ombros e tirou uma caixa de
sapatos que parecia ocupar metade do volume da mochila- Desculpe, mas não
consegui nada melhor para guardar essas coisas e não precisarei mais delas na
cidade aonde estou indo.
Adam
recebeu a caixa com uma mistura de desconcerto com perplexidade e confusão.
Parecia velha e bem usada, estava um pouco amassada e a estampa original já
havia abandonado o papelão. Ele remecheu um pouco e ouviu objetos se deslocando
e se chocando.
-O
que há aqui dentro?- Perguntou o jovem desconfiado.
-Nada
ilícito...- Ele parou e reconsiderou um pouco- Para os padrões comuns... Ah,
não é nada que te levaria para a cadeia, ou que te trará problemas- Ele abriu
um sorriso que dizia, quase que com todas as palavras “Não sei exatamente como
me explicar”
Adam
achou graça daquilo.
-Você
não toma jeito mesmo, não é?
-Não,
Não mesmo.
Depois
de almoçarem, os dois trocaram um forte aperto de mão e um abraço.
-Se
cuide, tio- Falou Adam tristemente
-Você
também jovem Al, você também.
Depois
disso Marcus foi se afastando, suas costas viradas para Adam, acenando com a
mão direita, sem olhar para trás.
No
dia seguinte foi anunciado que Marcus Devian morreu.
-Adam
Albarn- Foram as palavras que o retiraram de seus devaneios. Ele percebeu que
uma lágrima escorreu pelo canto direito do seu rosto. Adam levantou pesadamente
a cabeça e percebeu que o homem de branco na tribuna o invocava.- Se desejas
prestar algum ultimo tributo ao senhor Devian, a hora é agora.
Adam
limitou-se a abanar a cabeça afirmativamente e lentamente se levantou. Parecia
não sofrer mais tanto com a fadiga do trabalho e se sentia um pouco mais
disposto a encarar a realidade.
No
trajeto para o caixão ele sentiu os olhares sobre ele: curiosos, desdenhosos,
inquisidores. Com uma discreta olhadela pelos cantos dos olhos, Adam ficou
admirado como o jogo de luz e sombra recaia sobre as pessoas que o observavam,
encobrindo metade de suas faces em sombra e iluminando a outra em luz, um
efeito bastante singular, especialmente em se tratando dos olhos, que pareciam todos
serem de duas cores diferentes.
O
caminho para o caixão parecia longo e pesaroso, cada passo parecia mais difícil
de se dar que o anterior, e quanto mais se aproximava do caixão, mais Adam
sentia o pesar de seu peito, mais olhares se voltavam para ele.
E
mais quieta a catedral parecia ficar.
Quando
chegou ao caixão, a luz que vinha da entrada não mais aquecia suas costas ou
mesmo seus sapatos. Ele sentiu como se as sombras daquela Catedral o abraçassem
e convidassem a se aproximar ainda mais. Como sendo convidado por uma aranha à
sua teia. Ele fez menção de se aproximar da caixão para encarar o defunto, mas
uma mão seguida de uma longa manga branca o segurou firmemente.
Por
reflexo Adam virou-se para aquele que o perturbava e viu Anthony segurando-o.
-Senhor Albarn, antes que prosseguisse,
quero dizer que é uma grande honra finalmente conhecê-lo e gostaria de lhe
dizer uma ultima coisa.
-Que
seria...?-Adam deixou a pergunta inacabada, olhando fixamente nos olhos de
Anthony. E ficou surpreso ao ver que um de seus olhos era um azul elétrico e o
outro era de um tom verde brilhante com manchas de amarelo, parecia algo
doentio e risonho.
-Não
sentiremos saudades.
-O
que...- Tarde demais. Adam foi arremessado dentro do caixão, que por sinal estava
vazio. E pouco antes de bater contra o estofado, quase que como em câmera
lenta, ele viu o recinto.
Eram
uma cena estranhamente macabra e elegante, chagava até a ter uma certa beleza. Todos
olhavam para frente com um olhar impassível, sereno e todos tinham aquele
risonho e brilhante olho verde no lugar do olho esquerdo, sentavam-se eretos e
bem portados, era essa forma de comportamento coletivo que tornava a cena
elegante. Chegava a ser desconcertante, artificial. Mas o que mais chamou a
atenção de Adam foi ultimo detalhe viu do ambiente. Aquilo o deixou perplexo: a
iluminação que vinha de fora, a luz crepuscular que iluminava as costas dos
presentes, cobrindo seus rostos em sombra...
“Mas estava chovendo..”.Foi o pensamento que perpassou por
Adam assim que bateu desconfortavelmente no veludo branco do caixão. E
estranhamente seu corpo estava rígido, imóvel.
A
ultima coisa que viu foi a figura sombria de Anthony aparecer com as duas mãos
sobre a tampa do caixão, e aquele maldito olho verde e risonho desdenhava.
Enquanto a tampa descia, Adam escutou uma voz aveludada e pausada diferente de
qualquer coisa que já tivesse ouvido. Cinco palavras percorreram sua espinha
como gelo e fizeram o coração bater rápido como uma locomotiva. E depois disso
veio o escuro. O esquecimento.
“Descanse. Em. Paz... Senhor... Albarn...”
Continua... no próximo domingo